Várias lésbicas elevaram suas vozes recentemente em Camarões. Todas explicam ter sido estupradas e torturadas por seus próprios familiares e denunciam ter sido acusadas de feitiçaria. São comentários frios, transmitidos pela agência de notícias americana Reuters, na terça-feira, 2 de outubro de 2018.
Foi durante uma missa que Viviane, então com 14 anos, rendeu-se à evidência: ela foi enfeitiçada. A adolescente, que sempre viveu em Yaoundé, capital de Camarões, tentou aceitar sua homossexualidade, mas, face à homofobia local, ela preferiu chegar a essa maravilhosa conclusão.
“Rezei para que isso fosse embora”
Em Camarões, a homossexualidade é reprimida e punida com cinco anos de prisão. Ela não é aceita pela sociedade, que em sua maioria a considera um pecado. Segundo a Fundação Thomson Reuters (braço caritativo da agência de notícias Reuters), uma parte da população camaronesa vê a homossexualidade como um mau destino que teria sido rogado à pessoa.
Viviane também acabou integrando essas crenças populares: “Eu não via garotas aqui como via em todo o resto do mundo. Pensei que um espírito maligno havia me invadido”, ela disse à Fundação Thomson Reuters. E prosseguiu: “Comecei então a rezar para que isso fosse embora.”
Obviamente, as orações não funcionaram. Viviane começou a namorar uma garota, e sua família descobriu. Vários membros de sua família, principalmente seus irmãos, forçaram-na a consultar um “médico local”. Este a fez beber sangue de galinha antes de introduzir uma pimenta em seu ânus para “limpá-la”.
“Eu era como um colar que eles tivessem vendido”
Com 18 anos, Viviane foi forçada a se casar por seus familiares, que queriam “salvar o nome da família”. Ela então foi prometida a um pastor de 30 anos. Pouco antes do casamento, a jovem foi acorrentada a uma parede e estuprada por aquele que iria se tornar seu marido. Nenhuma discussão sobre o casamento foi possível, de acordo com a vítima. “Eu era como um colar que eles tivessem vendido”, ela desabafa.
Palavras que arrepiam a espinha, especialmente porque a jovem sequer pensou em reclamar, pois “um pastor é considerado um deus em Camarões”.
“Deus não pode estuprar e se você o acusa de estupro, então você é o diabo”, dispara ela.
A jovem conseguiu fugir e pediu asilo na França, onde reside desde então com sua namorada.
Estuprada por um taxista
Nem todas tiveram a chance de fugir do país. É o caso de Frédérique, uma ativista LGBT+ que ainda vive em Yaoundé. Ela explicou à Fundação Thomson Reuters ter sido estuprada por um taxista e outro homem em maio de 2016. Ela saía de um seminário LGBT+ e chamou um táxi. O motorista pegou um segundo passageiro antes de seguir para uma região deserta onde os dois a estupraram, chamando-a de feiticeira e lésbica. Assim como Viviane, ela achou melhor não prestar queixa: “Seu eu tivesse dado queixa, teria sido vista não como vítima, mas como alguém que mereceu o que lhe aconteceu.”
Aumento da violência contra pessoas LGBT+
A situação das pessoas LGBT+ em Camarões é mais do que alarmante. As pessoas podem ter sido condenadas e presas por diversas razões. Ser travesti, por exemplo, ou enviar “eu te amo” por mensagem de texto a uma pessoa do mesmo sexo pode valer vários meses de prisão.
Segundo a organização de defesa de pessoas LGBT+ de Camarões, CAMFAID, a violência só aumenta. O presidente anterior da organização, Eric Ohena Lembembe, aliás foi encontrado morto em 2013, com vários golpes espalhados pelo corpo e o rosto queimado, de acordo com a Human Rights Watch.
Pelos dados da organização Humanity First Cameroon, mais de 600 agressões lgbtfóbicas foram reportadas no país em 2017. Entre elas, a de que ao menos uma em cada cinco mulheres é estuprada.
Reportagem de Marion Chatelin publicada em 4 de outubro de 2018 na revista Têtu. Disponível em: <https://tetu.com/2018/10/04/cameroun-temoignage-lesbiennes-violees-sorcellerie/>.
Tradução: Luiz Morando